O Homem que Parou o Vento

                                                                                                                                                          Siquismo

 

Na tradição Sique, originária de Punjab, na Índia, os ensinamentos dos dez professores Siques são seguidos. Os lugares de cultos religiosos são chamados de gurdwaras e neles é mantida a tradição de Iangar ou ‘cozinha gratuita”. Segundo esta tradição a comida é servida a todas as pessoas presentes, independentemente da idade, casta, gênero, raça, religião e classe econômica ou social. Esta tradição constitui um símbolo de igualdade entre todas as pessoas, baseada na ética comunitária de inclusão e na unidade da raça humana.

Nos tempos do Segundo Mestre, Guru Angad Dev Ji, havia um homem chamado Bhai Jeeva que servia noite e dia no Iangar do gurdwara de Khadoor Sahib. Ele servia ao Guru Angad Dev pessoalmente e gostava de lhe trazer todos os dias um grande pote de khichree, um prato vegetariano feito com arroz e lentilhas.

Mas um dia aconteceu de o vento estar muito intenso, tão forte que ele não conseguia acender o fogo para cozinhar, por mais que tentasse. Vendo que o vento não iria diminuir por conta própria e que eles teriam que ir para cama sem jantar, Bhai Jeeva finalmente rezou para que o vento parasse.

Bhai Jeeva não ficou muito surpreso quando o vento acalmou ao seu redor. Sem pensar duas vezes, cozinhou sua panela de khichree e foi para a sala de jantar coletiva.

Entretanto, o Guru se recusou a aceitar o prato e Bhai Jeeva ficou muito desapontado. Quando perguntou ao Guru o porquê ele não queria experimentar sua comida, o professor respondeu:

“Parando o vento você conseguiu cozinhar e alimentar um punhado de pessoas, mas você deveria considerar que o Todo Poderoso precisa alimentar muito mais seres, da terra, da água e dos céus. Ele cuida dos animais, das árvores e plantas e o vento é uma das ferramentas que Ele usa para essa tarefa, já que ele transporta nuvens, pólen, folhas e grãos de um lugar para outro e faz com que as frutas caiam no chão. Através do vento, Deus serve às formigas e muitas outras criaturas.”

Angad Dey fez uma pausa. Contemplando o rosto triste de Bhai Jeeva, ele colocou a mão no em seu ombro e acrescentou com afeição:

Com isso, não quero dizer para você não rezar, mas é importante que você sempre tenha em mente o desejo divino Dele. Você deve compreender que Ele não lida somente com seres humanos, mas com toda as criaturas; não apenas a geração atual, mas também de todas as gerações futuras.

 

Adaptado por Grian Cutanda (2018)

Sob licença Creative Commons CC BY-NC-SA

 

 

Comentários

Esta história é uma adaptação da versão lançada pela Aliança de Religiões e Conservação (2013). Essa versão da história me pareceu mais adequada, por sua narrativa e valores, quando comparada com as versões de Bhai Vir Singh (n.d.), de Kulbir Singh (2010) e de Sri Guru Granth Sahib (n.d.). Entretanto, há outra versão dessa história (Chadha, 1999) muito similar à primeira, mas com uma diferença importante: a pessoa que para o vento para cozinhar não é Bhai Jeeva, mas sua filha, Bibi Jeeva, pois considera que na época Bhai Jeeva já havia falecido.

Esse ensinamento do Guru Angad Dev Ji, poderia ser traduzido para a língua atual da dinâmica de sistemas, em termos de demonstrar que os sistemas complexos nos quais vivemos e estmaos inseridos têm suas próprias metas e objetivos, orientados para a sobrevivência do próprio sistema. Portanto, não é sensato interferir em seu funcionamento, considerando que, devido à sua complexidade, nunca saberíamos em quais operações e processos, grandes ou pequenos, insignificantes ou cruciais, estaríamos interferindo. Dessa forma, estaríamos falando sobre os mesmos ensinamentos, mas por duas diferentes línguas, originadas em diferentes contextos históricos, culturais e científicos, uma do século 16 e outra do século 21.

 

Fontes

Alliance of Religions and Conservation (2013). Bhal Jeeva stops the wind. Obtido de http://www.arcworld.org/faiths.asp?pageID=172.

Chadha, J. S. (1999). Bibi Jeeva. In Sikh Gurus: A Poetic Appreciation, pp. 43-44. Libroitaliano World. Disponível em http://www.gurmatveechar.com/books/English_Books/Sikh.Gurus .by.Jaswinder.Singh.Chahada.(GurmatVeechar.com).pdf.

Sahib, S. G. G. (n.d.). Bhai Jeeva Ji. In Life of Guru Angad Dev Ji, pp. 108-109. Kuala Lumpur, Malásia: Sri Guru Granth Sahib Ji Academy Malaysia. Disponível em https://www.sikhreligion.de/img/JivanGuruAngadDevJi.pdf. Singh, B. V. (n.d.). Accept the God’s will. In Navin Paneeri: Stories from the life of Guru Angad Dev, p. 46. Nova Deli: Bhai Vir

Singh Sahitya Sadan. Obtido de http://www.gurmatveechar.com/books/English_Books/Sikh.Gurus .by.Jaswinder.Singh.Chahada.(GurmatVeechar.com).pdf. Singh, K. (2010, 19 fevereiro). Is it okay to stop a fierce storm using spiritual powers? Disponivel em http://gurmatbibek.com/forum/read.php?3,1516.

 

Associado ao texto da Carta da Terra

 

Princípio 6a: Orientar ações para evitar a possibilidade de sérios ou irreversíveis danos ambientais mesmo quando a informação científica for incompleta ou não conclusiva.

 

Outras passagens que esta história ilustra

 

Princípio 2a: Aceitar que, com o direito de possuir, administrar e usar os recursos naturais vem o dever de impedir o dano causado ao meio ambiente e de proteger os direitos das pessoas.